quinta-feira, 13 de junho de 2019  14:02

Millennials consomem, sonham e investem




Novas gerações têm mais ferramentas e acesso a informação e podem investir muito melhor o seu dinheiro

 

A geração dos hiperconectado, nascida nos anos 2000 está crescendo e com ela surgem novas demandas de consumo e um jeito diferente de pensar a economia. O sonho do carro aos 18 anos, da casa própria aos 30 anos, e até do casamento dos sonhos estão sendo colocados em xeque a cada dia.

O que emerge é a busca por experiências e não mais por bens. Em paralelo, a preocupação com o meio ambiente cresce. Neste contexto, o minimalismo - conceito de que ter menos é melhor – e a economia circular – que prega a reutilização e reciclagem das coisas – estão em alta. O consumismo, por outro lado, vem perdendo espaço.

 

Em entrevista ao Valor Investe, o consultor financeiro Gustavo Cerbasi, que lançou recentemente o livro “A Riqueza da vida simples” explica como isso está impactando também o mundo das finanças e, especialmente dos investimentos.

Leia a seguir os principais trechos dessa parte da conversa com Cerbasi:

 

Valor Investe - No seu novo livro você comenta sobre o aumento do interesse das pessoas por uma vida mais simples, minimalista e sustentável. Você acredita que os jovens sejam os protagonistas dessa nova onda?

Gustavo Cerbasi – O consumismo está perdendo força e a justificativa também é a informação que corre mais rápido. O ativismo ambiental existe há pelo menos quatro décadas, mas sempre foi algo perimetral, em volta do capitalismo. Hoje, o jovem que deixa de consumidor o canudinho porque se preocupa com a tartaruga está criando uma mudança de comportamento em uma escala muito grande.

O capitalismo está se moldando. Há uma preocupação maior das pessoas com a sustentabilidade e em vários aspectos, não só na questão da poluição e geração de lixo. As pessoas estão mais preocupadas com alimentação e qualidade de vida, por exemplo. Com isso, novas indústrias e modelos de negócios estão surgindo. O consumo mais consciente está dando força ao movimento do minimalismo que é comprar mais do que eu mais preciso e deixar de comprar o que não é uma necessidade.

Hoje, como é tudo mais 'nichado' e a comunicação é mais direta, as pessoas compram exatamente o que elas precisam.

 

Valor Investe: Conheço várias pessoas que, quando fizeram 18 anos preferiram um intercâmbio para estudar fora do país do que um carro. É um reflexo já dessa transformação social e comportamental?

Gustavo Cerbasi: Os mais jovens estão menos preocupados com posse e tem uma vida mais cíclica. Por isso, não se veem preocupados em ter um emprego de décadas nem com o financiamento da casa em 30 anos. Querem morar onde a renda daquele momento permitir pagar. Então, coliving (compartilhamento de casa) é uma solução. Moradia compacta é outra solução. O aluguel de espaços é outra solução (sofá, quarto, pensão, hostel). Vamos ver os prédios com proposta de compartilhamento.

Eu não vou ter o eletrodoméstico na minha casa, mas posso pegar emprestado do condomínio. Consequentemente, vou ter uma moradia mais compacta, mais eficiente e menos poluidora. O dinheiro que eu não vou precisar gastar com isso, vai para mais experiências, aprendizado e educação.

A nova geração é mais nômade e não está preocupada em ter um automóvel, mas sim em ter opções de mobilidade alternativa, para usarem a que melhor convém em cada momento. O automóvel que a família não tem, alguém terá e vai oferecer – o Google, por exemplo. Ao invés de ele ser usado 2 horas por dia, vai rodar 22h. Por isso, também precisará ser um carro com menor consumo de combustível, menos poluente e mais durável. A engenharia vai precisar levar isso em consideração. Tudo isso está mudando em função das novas necessidades.

 

Valor Investe: Como esse novo jeito de pensar muda a forma como o jovem gasta seu dinheiro?

Gustavo Cerbasi: Considerando que o gasto número 1 de uma família é com moradia e essa geração não se preocupa tanto em ter uma casa própria, pelo menos não nesse momento da vida, esse não vai ser um gasto tão relevante no seu orçamento. O segundo maior gasto de uma família de classe média é com transporte, em especial, automóvel, e essa também não é uma preocupação premente desses jovens.

Mas, por outro lado, percebo que um gasto que ganha destaque na nova geração é com educação. Pensando que as carreiras estão em transformação contínua e, para acompanhar as mudanças é preciso conhecimento (e ele tem um custo), a verba para isso está vindo da redução dos gastos com ativos que iriam gerar comprometimento financeiro por muito tempo. Como, por exemplo, automóvel e moradia.

 

Valor Investe: Seria, então, uma geração menos endividada?

Gustavo Cerbasi: Não é que os jovens estão deixando de se endividar. Mas as dívidas que tomam são de prazo mais curto, mais fácil de controlar. Eles têm menos gastos fixos e, portanto, maior facilidade de se ajustar a mudanças de cenário. Se o apartamento ficou caro, muda para o outro mais barato ou vai morar com a família.

Mas para ter essa flexibilidade, eles precisam ter mais reservas. E o mercado financeiro está entendendo isso e oferecendo, por exemplo, rendimento na conta corrente, fundos de investimentos ou previdência. Essa geração quer ter reservas para que, com isso, possa partir para o próximo plano. Como fazer um curso no exterior, mudar de cidade, exercer um trabalho mais interessante ou montar um negócio.

 

Valor Investe: É uma mudança comportamental muito grande em relação à geração mais velha. Podemos dizer que o jovem sabe lidar melhor com o dinheiro do que seus pais?

Gustavo Cerbasi: A comunicação das ideias hoje é mais fluida. Com internet, qualquer um pode aprender sobre o que quiser instantaneamente, inclusive sobre como cuidar melhor do seu dinheiro. A geração dos nossos pais, que há 20, 30 anos atrás estava no começo da fase adulta. Não só não contava com essa facilidade, como nem conversava sobre dinheiro, era um tabu. As poucas decisões financeiras que eram tomadas eram conversadas com o gerente do banco.

O comportamento da sociedade era muito uniforme e o próprio marketing trabalhava para dar vazão à produção em escala das fábricas. As pessoas queriam ter o que seus amigos e vizinhos também tinham. A geração anterior sabe lidar com dinheiro, mas aprendeu a lidar com dinheiro errando e perdendo muito.

Se você perguntar para uma pessoa de 60 anos se ela quer fazer um financiamento de carro, ela não vai querer de jeito nenhum porque perdeu dinheiro financiando carro por tantos anos. O que vemos na geração atual é que o aprendizado está acontecendo antes do erro.

 

Valor Investe: A internet contribui para isso, certo?

Gustavo Cerbasi: A internet permitiu que o jovem tenha acesso a novas ideias. Os influenciadores digitais na área de finanças voltados ao público jovem, por exemplo, fazem sucesso porque trazem uma proposta de vida muito diferente da vida sofrida dos pais. Mostram que a transformação e a independência financeira são possíveis. Claro, vários fatores ajudam.

Os jovens têm hoje acesso a boas ferramentas online e a um mercado de investimento supercapilarizado. Com R$ 50 já dá para fazer investimento e não poupança. Alguns jovens seguem um caminho mais conservador e sensato e outros assumem riscos maiores. Veem as coisas acontecerem em uma velocidade que seus pais jamais imaginaram.

 

Valor Investe: Os jovens também lidam de maneira diferente com investimentos?

Gustavo Cerbasi: Uma pesquisa recente mostra que 48% dos jovens da geração Millennial acreditam que serão milionários. Tem a ilusão que vão conquistar muito mais do que podem. Sinceramente, acho muito positivo isso. Mas em termos reais, a gente percebe que essa geração é muito otimista. E o otimismo nos leva a assumir mais riscos.

O otimista compra ações, compra negócios que envolvam arbitragem de moedas, opções binárias que não entendem, mas que estão prometendo ganhos de 5% ao dia. Mesmo em criptomoedas que é um mercado muito volátil. Eles nem sabem muito bem porque os preços sobem e descem, apenas confiam naquela informação. Acreditam que vão ganhar.

Acho que teremos nos próximos anos uma onda muito forte de aprendizado com perdas grandes neste sentido. Todo mundo acredita que vai montar o próximo unicórnio, a startup de maior sucesso, ou que sua carteira de investimento renderá sempre 20% ao mês. Mas, vão perceber que caíram em uma armadilha. O alerta vem sendo dado, mas o canto da sereia está mais forte.

 

Autor: Naiara Bertão

Fonte: Valor Investe